Com a classe trabalhadora, mudar Portugal – Rodrigo Silva

A pandemia levou milhares às janelas por todo o país, como uma forma mínima de agradecer ao Serviço Nacional de Saúde. Quem sempre quis destruir uma das maiores conquistas da democracia ficou sem argumentos quando os serviços privados fecharam portas. Quem argumentava que não se devia investir mais num serviço público e essencial ficou sem palavras perante as vidas que Portugal passou a dever a quem continuou a trabalhar no meio de uma crise sem precedentes.

Neste primeiro de Maio, o trabalho público nas áreas da Saúde ganhou todas as discussões que quem o defende alguma vez precisará de travar. Serviu como exemplo brilhante da urgência de valorizar serviços públicos. Tal como as indústrias de bens essenciais, dos transportes e da energia, surgiu como exemplo fulcral da importância histórica e atual da classe trabalhadora.

Ficou demonstrada a importância destes sectores-chave durante uma crise. É bom que nos lembremos que também vivemos uma crise climática. Uma crise que também mata, mas são mais de 4,2 milhões de pessoas por ano, todos os anos, e que não desapareceu com a quarentena. A questão é: vamos tratar esta crise como uma crise e fazê-lo com respeito pela classe trabalhadora?

O sofrimento que a crise climática causa, faz com que seja de enorme urgência realizar uma transição rápida e justa para uma sociedade de baixo carbono. Não nos poderemos dar ao luxo de repetir os erros desta crise de saúde, porque nem sequer teremos esta chance. A crise climática significa uma crise de saúde, uma crise social, uma crise económica, uma crise de recursos, em simultâneo e por toda a parte.

Não nos basta desfossilizar a economia, é preciso garantir que quem trabalha nas indústrias poluentes passa por uma requalificação e recolocação. Não pode ser a classe trabalhadora a pagar uma crise para a qual não contribuiu. Trabalhar por sobrevivência não é colaborar nos crimes contra o planeta.

Esta tem que ser uma transição pública. Apenas o Estado consegue garantir que esta se foca na justiça à escala nacional, invés do lucro individual. Tal como vimos o papel fundamental nesta crise da existência de um Serviço Nacional de Saúde, precisamos de criar um Serviço Nacional do Clima de forma a coordenar a resposta a esta crise, de uma forma que seja focada nas pessoas, não no lucro.

A Campanha Empregos para o Clima prevê que a transição energética crie um total de 100 a 140 mil novos postos de trabalho entre os setores de produção energética, transportes, indústria, comércio e residencial. Num país que antes desta nova crise económica tinha 6,5% da sua população ativa no desemprego, a classe trabalhadora teria uma oportunidade de avanço social com a aplicação da Campanha por parte do Governo.

Este investimento estatal envolveria um investimento entre 3 a 5 mil milhões de euros por ano. O equivalente a 1,5% do PIB. Se um valor como 1,5 em 100 parecer elevado, é necessário ter a noção que entre 2008 e 2018 a Banca Privada foi resgatada com um valor equivalente a 9% do PIB. 4 anos de investimento público em empresas públicas, que não só criariam novas condições para a classe trabalhadora como também seria a melhor forma de combater a crise climática, ou 10 anos de resgate a bancos, que continuaram privados, ou então foram fechados, não contribuindo nada para o bem-estar da população, aliás, até bem pelo contrário.

É essa a reflexão que precisamos de fazer neste primeiro de Maio: vamos tratar esta crise como a crise que é? Vamos fazê-la de uma forma que seja justa para quem trabalha? Ou melhor, vamos fazê-la com quem trabalha, reconhecendo que só uma economia que funciona em prol da classe trabalhadora consegue ser socialmente justa e ecologicamente sustentável? Na urgência do conjunto de crises que vivemos, com o olho nas catástrofes que objectivamente sabemos que vamos viver durante as próximas décadas, não podem restar dúvidas: é com a classe trabalhadora que se vai mudar Portugal, ou será esta a sofrer os terrores das próximas crises que se avizinham.

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