Declaração de estado de Emergência Climática dentro do Climáximo – 2025/2026
Este verão, em que mais uma vez avaliamos como estamos a lutar para travar a crise climática, marca dez anos de existência do Climáximo. Mas este verão é diferente. É mais assustador do que nunca. Este verão, a área ardida em incêndios superou em muito a dos últimos anos e o calor matou como nunca antes em Portugal. Este ano, a devastação da crise climática foi mais visível do que nunca para nós. Não foi só Portugal a arder. Vimos o mundo em chamas desde Espanha à Turquia e à Califórnia. Vimos milhares de pessoas afogadas nas cheias do Paquistão, em Cabo Verde, no Texas. Vimos novamente recordes de temperatura a serem batidos sucessivamente, com mais países a registar 50ºC pela primeira vez. Ainda assim, não é isso o que mais nos assusta.
Há dois anos fizemos a maior mudança da história do Climáximo. Propusemos-nos a agir para que a sociedade aceitasse que a crise climática é uma guerra declarada contra a sociedade e o planeta e para que tomasse ação para pará-la, antes que seja tarde demais. O que mais nos assusta ao olhar para a realidade é que, apesar de ao longo destes últimos dois anos termos conseguido colocar a crise climática no debate público em vários momentos, perante uma das mais visíveis e chocantes manifestações da crise climática no nosso próprio país – uma época de incêndios altamente destruidora – a narrativa que dominou este verão não foi sobre a crise climática ou o que é necessário para travá-la. A conversa ao redor destes incêndios tampouco os tratou como o ataque premeditado e coordenado que são por parte dos governos e empresas contra as pessoas. Há dois anos apostámos em sermos radicalmente honestas e em quebrarmos a falsa sensação de paz que existia. Apostámos em tornar visíveis os ataques premeditados das empresas e governos contra todas nós, mobilizando as pessoas fartas deste sistema e ansiosas com a crise climática, levando ao aparecimento de organizadoras capazes de construir um novo movimento em Portugal. Podes ler aqui como falhámos em alcançar esta mudança. Dada a realidade atual, agora voltamos a transformar quem somos e a tomar o risco de fazer algo completamente novo para nós.
Compreendemos que será preciso alargar e organizar a base social do movimento para conseguir mobilizar milhares de pessoas para travar a crise climática e responder aos momentos ultrajantes que ela provoca. Há pelo menos, dois ângulos para abordar esta tarefa: podemos olhar para as causas e podemos olhar para os efeitos.
No lado das causas está a indústria de combustíveis fósseis. Deste lado, são de destacar nos últimos anos as mobilizações Fim ao Fóssil 2030 feitas pelas jovens. Agora, a sociedade inteira tem uma decisão para fazer: unir-se atrás da reivindicação de Fim ao Fóssil 2030 ou ser cúmplice na condenação de todas as gerações vivas a um mundo inabitável. Aliamos a nossa capacidade de organização à capacidade de mobilização da Greve Climática Estudantil com o fim de agitar toda a sociedade a tomar uma posição. Assim, teremos uma campanha comum de Fim ao Fóssil, que será liderada por estudantes. Para lutar lado a lado com o movimento estudantil por esta reivindicação existencial, a campanha pretende mobilizar professores, mães, profissionais da saúde, artistas e qualquer outra pessoa que não consinta com condenar a juventude à destruição das condições físicas da vida. Iremos ainda oferecer o apoio organizativo necessário para que os jovens consigam aumentar exponencialmente a sua organização.
No lado dos efeitos, sendo Portugal uma zona crítica de aquecimento, todos os territórios estão na linha da frente dos incêndios, ondas de calor e seca. Junto às comunidades dos territórios mais fustigados vamos, até ao próximo verão, perceber como visibilizar estes efeitos da crise climática e agir para evitar os piores cenários. Isto implica não só solidariedade ativa, mas também organização nos termos das comunidades. Nós não temos muita experiência sobre a segunda componente. Teremos de aprender, escutar e co-desenhar esta campanha – o que ocupará os próximos meses à nossa frente.
Comprometemos-nos a investir nestas duas prioridades estratégicas nos próximos meses. Apesar de exporem a mesma raiz e alimentarem a mesma solidariedade global, os dois ângulos revelam informação diferente e evidenciam setores sociais diversos.
Vamos acompanhar esta estratégia dual com uma reestruturação interna e reorientação externa. Olhando para lá das cinzas dos incêndios, vimos outros sinais aterrorizadores este verão: a ascensão da extrema-direita e em particular do racismo e da xenofobia, as políticas bárbaras contra migrantes, as políticas misóginas e as políticas contra as condições de trabalho, bem como os restantes ataques às condições básicas à vida das pessoas, perpetuando as crises da habitação, da saúde e do custo de vida. Embora haja organizações a fazer um trabalho muito melhor do que o nosso em mobilizar e organizar a sociedade contra estes ataques, falta um acordo fundamental entre estas organizadoras – o de que a resposta a todas estas crises precisar de estar ancorada nos prazos ditados pela crise climática. Essa é uma realidade assustadora, já que ignorando a realidade material dos prazos, não só o autoritarismo e o ataque às condições básicas à vida se irão intensificar a uma escala nunca antes vista, como a barbárie será inevitável. Já assistimos ao início disto com a ascensão do fascismo, a intensificação da militarização e o genocídio atroz na Palestina. Ao longo deste próximo ano, participaremos em espaços de articulação contra alguns destes ataques à vida. Procuraremos não só perceber novas oportunidades de atuação, como também trazer para estes espaços a ambição e os prazos para ganharmos qualquer luta por justiça e dignidade.
Após um ano em que estivemos atentas e curiosas perante novos espaços de coordenação do movimento a nível internacional, encontrámos espaços com ambição e foco, mas verificámos uma a tendência assustadora e agressiva na Europa de desistir de travar a crise climática e focar-se em adaptação. Sabemos que o abandono da luta pela mitigação condenará povos inteiros e todas as futuras gerações à morte certa, ou no mínimo, a vidas de sofrimento e miséria insuportáveis. Face a isto vamos, i) continuar a seguir alguns dos espaços de coordenação internacional mais promissores; ii) propor uma articulação entre os grupos do Sul da Europa contra os incêndios, seca e ondas de calor, com o foco em impedir o colapso social e climático dentro dos prazos da
ciência.
Não vamos conseguir fazer nada do que propomos fazer se não quebrarmos com o nosso próprio conformismo, se não nos mantivermos focadas e se não criarmos novas práticas. Por isso, vamos manter-nos conectadas no estado de guerra em que somos forçadas a viver e continuaremos a apoiar-nos umas às outras para conseguirmos fazê-lo. Procuraremos capacitação exterior que nos permita aprender a fazer um tipo de trabalho que não temos experiência em fazer (em particular, organização de base) e partilharemos as novas aprendizagens umas com as outras. Coletivamente, vamos também explorar e trabalhar sobre hábitos coletivos e
individuais que queremos transformar para ser aquelas que precisamos de ser.
Estamos assustadas com o ritmo galopante do colapso social e climático e com a falta de um movimento – nacional e internacional – capaz de pôr fim aos ataques dos governos e empresas contra a vida neste planeta antes que seja demasiado tarde. Mas recusamos-nos a desistir face aos cenários prováveis – a destruição de tudo o que amamos por parte dos governos e empresas – e agarramos-nos ao que é possível: construir o movimento capaz de mudar tudo em muito pouco tempo.
O ano passado falhámos em contar-te os resultados das nossas avaliações e novas decisões a cada 3 meses, quebrando o nosso compromisso contigo. Pedimos desculpa por este descuido, espelho do cansaço e desfoco. Tal não se voltará a repetir. No início do próximo ano faremos um ponto de situação. Até lá, junta-te à luta.