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Com mais de 40 casos à frente e até 250 mil euros em multas no futuro, a resistência climática continua a ser a única saída do colapso climático.

Esta é uma nova newsletter escrita pela Equipa Legal do Climáximo. Queremos manter-vos a par das novidades e do ponto de situação da repressão do(s) movimento(s).

Lê a newsletter anterior aqui.

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Sabíamos e sabemos que as opções são cada vez mais claras: ou vamos travar a crise climática, ou o sistema vai tornar-se mais e mais autoritário porque isso é a única forma de governar numa sociedade em colapso.

Sabíamos e sabemos: insistir em dizer a verdade sobre o estado de emergência climática em que estamos e insistir em dizer que os governos e as empresas têm consciência total de que a destruição terá consequências (até não ter).

Sabíamos e sabemos que a luta que enfrentamos é global: as dinâmicas repressivas que observamos lá fora vão ser implementadas em Portugal em breve (e vice versa) e as dinâmicas que hoje atingem os setores marginalizados chegarão brevemente a toda a gente.

 

Nos últimos dois anos, a Equipa Legal do Climáximo tem acompanhado quase cem pessoas que realizaram ações com risco de detenção, num total de 72 ações. Destes, 8 foram arquivados, 3 foram absolvidos, e em 10 casos as ativistas foram condenadas. Temos ainda uns 20 casos no tribunal, e mais 20 casos que podem vir a ser objeto de processos-crime.

Em termos de repressão, já tivemos 28.140 EUR de multas (pagas ou por pagar) e as pessoas já fizeram 5525 horas de trabalho comunitário (ou vão fazer nos próximos tempos). Isto equivale a mais de 30 salários mínimos em multas mais 32 meses inteiros de trabalho. Tudo isto, porque insistiram em dizer a verdade sobre as ondas de calor que mataram 300 pessoas em Portugal e as cheias que mataram 200 pessoas em Valência.

Um total de 11 pessoas receberam penas de prisão suspensas, que num total fazem 234 meses (ou seja, 19 anos e 6 meses).

Mas a repressão não é só resultado dos julgamentos. É também estar detida durante horas, ir à esquadra para prestar declarações numa data e hora aleatórias, e passar dias inteiros em audiências no tribunal. Aliás, a maioria de violência acontece de forma subtil e chama-se burocracia. As pessoas que acompanhamos desperdiçaram 1120 horas em detenção, 320 horas a prestar declarações, e 670 horas no tribunal. Isto faz 12 meses inteiros de trabalho perdidos em repressão administrativa, muitas vezes completamente invisível. Pode-se dizer que as pessoas, se não fossem detidas só por defenderem um planeta habitável, podiam ir trabalhar essas horas todas, mas obviamente a situação é pior: nós já trabalhamos, por isso as pessoas tiveram de compensar essas horas laborais todas em outras alturas (noites, fins de semana, férias canceladas).

Nas acusações, as mais comuns que ouvimos foram

– desobediência (à ordem da polícia)
– desobediência qualificada (que é basicamente uma “manifestação não-comunicada devidamente”)
– atentado à segurança rodoviária
– dano simples, e
– dano qualificado

Nada disto é aceitável nem razoável. As pessoas nem deviam ser detidas em primeiro lugar.

O que nos devia enraivecer ainda mais são as “indemnizações” que as empresas exigem (para limpar paredes ou jatos privados, para substituir um vidro, etc.) ou as queixas de difamação. E normalmente são estas que aumentam exponencialmente os custos. (É equivalente a dar dinheiro ao Exército Israelita por ter feito uma ação para acabar com o genocídio)

O que devia assustar-nos a todas são as menções (ainda não formalizadas) de “instigação de crime” e “associação criminosa”, que já ouvimos duas vezes informalmente nos interrogatórios. Em Portugal não há precedentes, mas já temos tentativas em França (Les Soulèvements de la Terre) e Alemanha (Letzte Generation) e um caso concreto no Reino Unido (Palestine Action).

Houve também algumas pessoas que tiveram uma “medida de coação” que lhes proibe entrarem no Aeroporto de Lisboa.

Com poucas exceções, não temos advogados pro bono. De certeza não temos dinheiro e as pessoas são acompanhadas pelos advogados oficiosos. Metade das pessoas são tão pobres que têm apoio judiciário da Segurança Social. Mas outra metade partilha casa e ganha o salário mínimo e por isso nem apoio judiciário tem.

Agora, não temos a certeza sobre o que vai acontecer em que caso. Se ninguém ficar em prisão e se não vencermos entretanto, podemos enfrentar custos extra de até 250.000 EUR (ou seja para além de 28.140 EUR já confirmados).

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Aqui queremos fazer uma pequena pausa para esclarecer que isto não é toda a repressão que o movimento pela justiça climática enfrenta. Isto é a parte que é visível para a equipa legal do Climáximo, e portanto exclui, por exemplo, a indemnização ao Luís Montenegro por causa do seu fato de luxo que ficou sujo numa ação da Greve Climática Estudantil.

E também não vemos como assunto separado os polícias que acompanharam os despejos em Loures nem os vários grupos neo-nazis que de repente veio a público estarem a preparar-se. Esta tendência de governo autoritário é estrutural e é uma resposta consciente por quem manda nesta sociedade, exatamente por perceberem a crise climática que têm alimentado.

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Por outro lado, nada disto é específico para Portugal, apesar de estar mais na agenda pública nos últimos tempos. A tendência é global (porque a crise climática é global).

Em Itália, um ativista da Ultima Generazione foi processado pela petrolífera ENI por difamação. Itália é um caso específico exatamente porque o governo de extrema-direita está a mudar o código penal para constrangir os direitos civis e para criminalizar os movimentos sociais.

No Reino Unido, o coletivo Palestine Action foi definido pelo parlamento britânico como uma organização terrorista. Palestine Action tem feito ações de desarmamento na indústria militar ligada a Israel. Logo a seguir à decisão, milhares de pessoas saíram às ruas a dizer “Somos todas Palestine Action”, com centenas de detenções só em Londres.

Mas também há boas notícias: uma ativista climática dinamarquesa foi absolvida pelo princípio de necessidade. Ou seja, o juíz reconheceu que a desobediência civil pela justiça climática implica uma necessidade de ação que legitima a disrupção que a ação causou. Na Bélgica, 5 ativistas de Code Rouge (duas delas com mais de 70 anos, e que foram detidas duma forma tão agressiva que o polícia partiu o braço e os dedos duma delas) foram acusadas de desobediência mas foram todas absolvidas.

Mas notícias ainda melhores!.. queremos destacar:

– a Marcha de Orgulho em Budapeste que foi banida pelo governo mas mesmo assim juntou 400 mil pessoas nas ruas,

as mobilizações na Sérvia em que centenas de milhares de estudantes se mantêm fortes e determinadas há meses, apesar da violência policial sistemática e de centenas de detenções, e

a resistência popular nos Estados Unidos contra as deportações da administração de Trump em que milhares de detenções nem sequer pararam os protestos.

O que podes fazer

Podes apoiá-las, participando na ação direta connosco, realizando uma ação direta no teu contexto, e /ou espalhando a palavra sobre a crise climática. Para ajudar com os custos legais, podes:

– fazer um donativo pelo Open Collective

– organizar um evento de angariação de fundos na tua comunidade

– organizar um evento de solidaridade com os teus amigos e com as organizações de que fazes parte.

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Esta newsletter é escrita pela Equipa Legal do Climáximo, que acompanha a repressão legal que as pessoas comuns enfrentam por defenderem um planeta justo e habitável.
Para receber as próximas, subscreve a newsletter do Climáximo no fundo da página.

Os números que partilhamos podem estar errados ou desatualizados. Somos todas voluntárias e estamos empenhadas em contribuir à construção da resistência climática popular.
Se quiseres juntar-te à Equipa Legal do Climáximo, contacta-nos por email:
legal@climaximo.pt

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