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Repressão como estrutura

Estreamos uma nova newsletter mensal, escrita pela Equipa Legal do Climáximo. Queremos manter-vos a par das novidades e do ponto de situação da repressão do(s) movimento(s).

Lê a newsletter anterior aqui.

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Um sistema que depende de exploração não pode permitir que se insista em dizer a verdade sobre o estado de emergência climática em que estamos e a transformação social que implicaria travá-lo. O movimento pela justiça climática entrou num período de repressão em que há dezenas de ativistas presas em vários países, milhões de euros em multas e despesas legais, milhares de casos no tribunal, inclusive algumas acusações de organização criminosa para coletivos informais que têm feito ação direta não-violenta.

Desta vez, queremos partilhar contigo o aspeto estrutural da repressão legal. Com estrutural, neste contexto, referimo-nos à violência lenta, exercida por via de processos formais, em vez dirigida a indivíduos específicos.

Primeiro, vamos partir das experiências das apoiantes do Climáximo, que estamos a acompanhar de perto.

  • Uma pessoa, assustada pela emergência climática e indignada pelas políticas que nos levaram até aqui, faz uma ação para alertar a população sobre o estado de guerra que a crise climática é. No próprio dia é detida, levada à esquadra, e passa o dia inteiro lá sem qualquer propósito útil.

Até aqui, pode ter-se alguma notícia dos acontecimentos; o resto é que passa, de certeza, despercebido.

  • A mesma pessoa é chamada a tribunal, no mesmo dia ou no dia seguinte, para designação de advogado oficioso e formalização do processo (i.e. constituição como arguida).

  • A partir daqui começa a repressão disfarçada de burocracia. A pessoa recebe cartas após cartas do tribunal ou do Ministério Público, escritas em legalês (linguagem inventada com o propósito de distanciar as pessoas comuns do poder judiciário) que servem o propósito de assustar as pessoas.

  • Algumas vezes, as pessoas são chamadas a prestar declarações em horas e dias que não conseguem influenciar (vendo-se obrigadas a comparecer na esquadra em vez de “ir trabalhar”).

  • Várias vezes vão a tribunal, para comparecer em audiências que muitas vezes são canceladas, adiadas e repetidas (e as arguidas têm de ir lá em vez de “ir trabalhar”) por diversas razões.

  • Em alguns casos, os advogados oficiosos são simpáticos à causa; muitas outras vezes, não tanto. Em alguns casos, os advogados oficiosos estão disponíveis para ajudar; muitas outras vezes são as próprias arguidas que têm de procurar os processos e cumprir múltiplas tarefas (pedir apoio à Segurança Social, ter uma cópia da acusação, pedir trabalho comunitário em vez de multa, recorrer da decisão, etc.).

Isto são horas de trabalho. Ou seja, são horas de repressão em curso. As pessoas que acompanhamos sabem que o propósito de repressão é exatamente assustar as pessoas e a população. Isto significa que repressão implica recursos (materiais, financeiros, sociais e emocionais).

Todas estas pessoas deviam ser absolvidas e até celebradas por terem posto os seus corpos na linha de frente para evitar o colapso climático. (Desde a identificação, passando pela detenção, constituição como arguido e todo o processo judicial, até à condenação, há muitas escolhas ativas de repressão.) Cada pessoa que fez uma ação acaba por pagar milhares de euros em multas (por ação), ou fazer trabalho comunitário de centenas de horas (por ação).

Quando o objetivo é repressão e desmobilização, as formas importam pouco. Vimos isso, por exemplo, no caso duma ação pro-Palestina que aconteceu na Câmara Municipal de Lisboa. Neste caso, os polícias detiveram uma pessoa aleatória e o tribunal condenou-a a 11 mil euros de multa e indemnização. As únicas testemunhas presentes em tribunal eram os próprios agentes da PSP, e uma pessoa que ninguém no movimento conhece está condenada. Ou seja, quando a causalidade procurada é meramente “ação do Estado vs. assustar pessoas e desmobilizar os movimentos sociais”, nem é relevante estabelecer ligação entre o ato, as pessoas e a sentença do tribunal. O objetivo principal da Câmara Municipal de Lisboa acaba por ser meramente declarar vitória pela sentença proferida pelo tribunal, sem qualquer preocupação sobre se isso se relaciona com o ato em si ou com as pessoas condenadas.

Agora vamos ver um caso diferente. Há um projeto de oleoduto “EACOP” (East African Crude Oil Pipeline) de 1400 km, entre o Uganda e a Tanzânia. Em ambos países (e com aliados europeus), existe uma resistência popular contra este projeto que pode ser considerada uma arma de destruição em massa. O movimento Stop EACOP tem crescido nos últimos anos, e com ele a repressão. Aqui vai uma história das ativistas no Uganda:

Em agosto de 2024, 20 pessoas (jovens ativistas e membros das comunidades afetadas) foram detidas enquanto marchavam pacificamente para entregar uma petição ao Ministério de Energia. Em novembro de 2024, mais 15 jovens foram detidas numa outra marcha dirigida ao parlamento. Estas pessoas passaram mais de um mês na prisão à espera de julgamento.

Houve audiências nos dias 19 e 20 de fevereiro e aqui é que fica tudo muito interessante e deprimente ao mesmo tempo.

  • Para o caso das 20 pessoas detidas em agosto, o juiz não apareceu e a audiência foi adiada para abril.

  • Para as 15 jovens detidas em novembro, o Ministério Público não forneceu provas e, portanto, foram todas absolvidas.

Ambas são práticas comuns.

  • As pessoas já ficaram presas mais de um mês, portanto o Ministério Público nem tenta provar que fizeram algo do mal. O que importa é que a polícia continua a detê-las e o Ministério Público continua a colocá-las em prisão preventiva, porque o objetivo não é ter razão, mas sim desmobilizar o movimento. Só que o próprio movimento também sabe isso e está preparado para aproveitar todos estes momentos estrategicamente, para divulgação da crise climática.

  • Mesmo quando o juiz não aparece, os arguidos são obrigados a comparecer (muitas vezes fazendo viagens de centenas de quilómetros das suas cidades até à capital). Isto acontece várias vezes, até realmente haver audiência. E depois o Ministério Público não apresenta provas e as pessoas ficam absolvidas – só que isso acontece depois de 10 diligências.

Contamos-te tudo isto, porque

(1) achamos isto normal: é propositado que os tribunais funcionem de forma a reprimirem os movimentos sociais;

(2) achamos isto normal: já normalizámos este tipo de repressão estrutural de tal forma que já nem se noticia quando acontece a populações marginalizadas;

(3) achamos isto anormal: como o estado de emergência climática em que vivemos está a ser normalizado, este tipo de resposta social às pessoas comuns que defendem o interesse público não deve ser aceitável.

 

O que podes fazer

Podes apoiá-las tomando ação direta connosco, tomando ação direta no teu contexto, e espalhando a palavra sobre a crise climática. Para ajudar com os custos legais, podes

– fazer um donativo pelo Open Collective

– organizar um evento de angariação de fundos na tua comunidade

– organizar um evento de solidaridade com os teus amigos e com as organizações que fazes parte.

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Esta newsletter é escrita pela Equipa Legal do Climáximo, que acompanha a repressão legal que as pessoas comuns enfrentam por defenderem um planeta justo e habitável.
Para receber as próximas, subscreve a newsletter do Climáximo no fundo da página.

Os números que partilhamos podem ser errados ou desatualizados. Somos todas voluntárias e estamos empenhadas em contribuir à construção da resistência climática popular.
Se quiseres juntar-te à Equipa Legal do Climáximo, contacta-nos por email:
legal@climaximo.pt

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