Em dezembro de 2023, um grupo de pessoas anónimas, com quem os coletivos “Coletivo pela Libertação da Palestina”, “Climáximo” e “Greve Climática Estudantil” se solidarizaram, realizaram uma ação de denúncia da cumplicidade de Carlos Moedas e da Câmara Municipal de Lisboa no genocídio do povo palestino pelo regime sionista, pintando a fachada da autarquia de vermelho-sangue, escrevendo a palavra “genocida”, erguendo uma faixa a dizer “Palestina Livre” e hasteando
a bandeira da Palestina na varanda do edifício.
Mas, em abril de 2024, o Ministério Público (MP) anunciou a acusação de uma pessoa pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público e de um crime de dano qualificado. Alegadamente, o suposto responsável por esta ação foi detido em flagrante delito pela polícia. Diz o comunicado do MP que a pessoa foi responsável pela ação do início ao fim, desde a colocação da bandeira da Palestina na varanda dos Paços do Concelho até às pinturas feitas na fachada.
No momento que souberam da acusação, os coletivos tiveram o cuidado de consultar o processo para entender o que se passava e quem estava em julgamento. Procuraram conversar com a pessoa arguida, mas não conseguiram encontrá-la. Tentaram ainda estabelecer contacto com o seu representante legal para prestar apoio, sem sucesso. Ainda assim, reafirmam que estão disponíveis para apoiá-la, caso este comunicado lhe chegue.
Em sede de julgamento, o polícia responsável pela detenção, agente Luís Rodrigues, da Polícia Municipal, descreve ter ouvido um barulho no exterior pelas 7h34 da manhã, ter saído pela porta lateral da CML e se ter deparado com o arguido sozinho, a escrever na parede com marcadores. O agente da Polícia Municipal de Lisboa foi a única pessoa a prestar testemunho sobre a ação durante as três sessões, já que o arguido foi julgado não tendo estado presente no julgamento, nunca se tendo ouvido a sua versão dos acontecimentos.
Contudo, fica claro pelos vídeos publicados na manhã em que a ação decorreu que tal não poderá ser verdade. Em primeiro lugar, a hora não bate certo, uma vez que antes da hora em que a detenção terá ocorrido já dezenas de jornalistas no país tinham recebido o comunicado de imprensa a informar da realização da ação, com fotografias e vídeos da mesma. Depois, é evidente que são pelo menos cinco pessoas a realizar a ação e não apenas uma. Seria impossível, aliás, que o agente Luís Rodrigues tivesse conseguido ver apenas uma das pessoas a escrever na parede, dado que, pelo que se pode ver no vídeo, as pinturas na fachada demoraram menos de um minuto no total e foram feitas por quatro pessoas exatamente ao mesmo tempo, de forma coordenada, lado a lado, a poucos metros de distância. O vídeo mostra ainda que não existiu qualquer detenção nesse momento, tendo as pessoas se ido embora após terminarem a ação. Além disso, os coletivos falaram entre si e não conhecem ninguém que tenha sido detido, julgado ou condenado no seguimento desta ação.
Ainda assim, em janeiro de 2025, o Tribunal de Lisboa decidiu pela condenação desta pessoa nos termos da acusação. O arguido foi condenado a pagar cerca de 11 mil euros de multa e indemnização.
Os coletivos deduzem então que tudo isto se trata de uma condenação absolutamente arbitrária de uma pessoa que nada tem que ver com esta ação e só pode ser entendida como parte maior de um quadro de crescente repressão de movimentos sociais a que se assiste na Europa e pelo mundo, particularmente ligados ao clima e à Palestina. A criminalização aleatória de pessoas no seguimento de ações contra um genocídio em curso não deve ser condecorada com medalhas, como Carlos Moedas fez no seguimento desta ação. O presidente da CML ofereceu medalhas aos dois polícias que detiveram a pessoa alegadamente responsável pela ação. Esta é uma campanha de intimidação com vista a reprimir ações que se opõem ao sistema atual.
Um mote frequentemente utilizado em movimentos sociais é a frase “não somos livres até todes sermos livres”. Esta é uma declaração de que o que oprime pessoas num lado do planeta pode infetar qualquer outra noutro local, através de uma complexa rede de criação de consentimentos e sistemas globais de opressão. Em tempos em que, na Palestina, qualquer pessoa pode ser detida arbitrariamente e colocada em prisão sem necessidade de provas, é preocupante a crescente
normalização da criminalização de movimentos que pretendem denunciar a cumplicidade de instituições governamentais e estatais nacionais neste genocídio e no capitalismo fóssil, indissociável da ocupação colonial da Palestina.
Os coletivos que subscreveram a ação de dezembro de 2023 — o Coletivo pela Libertação pela Palestina, o Climáximo e a Greve Climática Estudantil Lisboa — condenam o procedimento da Câmara Municipal de Lisboa, da PSP e do sistema judicial português.