Resistir à guerra passado meio ano
Ponto de situação do estado de emergência climática dentro do Climáximo em Abril de 2024
No verão de 2023 ficámos aterrorizadas com as catástrofes brutais e as milhões de mortes que foram provocadas pela crise climática. Não é normal e não pode ser banalizado. Os governos e as empresas sabem o que estão a fazer há décadas e mesmo assim 2023 foi o ano mais quente e com mais emissões desde que há registo. Em Portugal, as metas propostas pelo governo são uma afronta à continuação da sociedade. Mas nós também sabemos o que eles estão a fazer há décadas, e sabemos que não dá para lhes pedir para que eles parem de nos atacar. Olhámos para a realidade e constatámos que a crise climática é um ato de violência premeditado e coordenado. Aceitámos que os governos e as empresas declararam guerra à sociedade e ao planeta, condenando milhões de pessoas à morte todos os anos. Aceitando isto, qualquer ilusão de que quem lucra e perpetua esta guerra a vai parar desvanece, o que é aterrorizador e libertador ao mesmo tempo: a sociedade tem de travar esta guerra, deixando de consentir com a violência e resistindo lado a lado.
Face a esta realidade, comprometemo-nos a transformar radicalmente o Climáximo, tomando enormes riscos pessoais, coletivos e organizativos.
Comprometemo-nos a 1) Aceitar que o governo e as empresas estão em guerra com a sociedade e o planeta; 2) Construir a resistência e ripostar apesar dos riscos pessoais e organizativos que podemos vir a correr; 3) Criar a coordenação internacional que implementa a justiça climática, dentro dos prazos ditados pela ciência.
Em Dezembro, avaliámos o nosso trabalho até aí. Constatámos que 2024 seria um ano de disputa política nacional e internacional, com eleições em Portugal e a nível europeu sem nenhum plano para travar o colapso, com a celebração dos 50 anos do fim do fascismo em Portugal, e com a intensificação da violência deste sistema contra as pessoas. Reiterámos o nosso compromisso de tornar visível para a sociedade que estamos num estado de guerra declarado unilateralmente pelos governos e empresas e mostrar que é a nossa responsabilidade resistir lado a lado contra esta guerra. Passados 6 meses desde que aceitámos que eles nos declararam guerra e 3 meses desde o último ponto de situação, queremos partilhar o que fizemos e o que ainda precisamos de fazer nos próximos 3 meses.
1. Aceitar que o governo e as empresas estão em guerra com a sociedade e o planeta.
Desde Setembro que fizemos cerca de 40 ações, realizadas por dezenas de apoiantes, que permitiram colocar a crise climática no centro do debate público e apresentar o plano de desarmamento e de paz à sociedade. Revimos, em conjunto com diversas organizações, o plano de desarmamento e de paz que precisamos de implementar em conjunto para travar esta guerra. Entre Dezembro e agora, num contexto social marcado por eleições antecipadas sem um único plano compatível com evitar o colapso social e climático, conseguimos trazer ao de cima a crise climática e expor que tanto o novo governo, como qualquer partido a concorrer a eleições, são incapazes de travar esta guerra ou planeiam exacerbar os ataques contra a vida.
Contudo, ainda não conseguimos quebrar a falsa sensação de paz em que a sociedade ainda se encontra, provocar a honestidade necessária sobre a crise climática ser uma guerra declarada unilateralmente pelos governos e as empresas contra a sociedade e o planeta e, consequentemente, fazer com que a sociedade deixasse de consentir com esta violência e resistisse lado a lado para implementarmos o plano de desarmamento e de paz. Para quebrar a falsa sensação de paz e apelar a que todas entremos em resistência, vamos:
• Organizar as “assembleias de Abril: foram 11, têm de ser mais que mil”, de 22 a 24 de Abril, onde estaremos lado a lado com as apoiantes do climáximo que irão ser julgadas por um protesto político pacífico e, em conjunto, prepararmo-nos para continuar a resistir à guerra.
• Continuar com várias atividades de mobilização e ações para colocar a necessidade de resistirmos a esta guerra no centro do debate social. Na altura em que se comemora os 50 anos da revolução dos cravos, não podemos celebrar as conquistas do passado e a coragem de quem resistiu contra a ditadura e a guerra colonial, enquanto ignoramos a guerra do presente e continuamos a delegar a nossa responsabilidade de agir e resistir. Da mesma forma que não se esperava que o ditador pusesse fim à ditadura, não podemos esperar que quem nos declarou guerra a trave. Está nas mãos da sociedade.
2. Construir a resistência e ripostar apesar dos riscos pessoais e organizativos que podemos vir a correr
Dezenas de pessoas entre Setembro e agora deixaram de consentir com esta guerra e entraram em resistência. Desde Dezembro que melhorámos a nossa capacidade de mobilização e de integração. Contudo, o número de pessoas que precisa de estar a resistir a esta guerra contra nós continua longe daquele que é necessário para travarmos esta guerra.Os riscos pessoais e organizativos que enfrentamos tornam-se cada vez maiores mas, juntas, encontramos a coragem sabendo que os riscos de não travar esta guerra serão muito mais incomportáveis para nós e para todas as pessoas por quem agimos. Nos próximos meses, para fortalecermos e alargarmos a resistência e, em conjunto, continuarmos a encontrar a coragem e capacidade de tomar novos riscos, vamos:
• Apostar nas assembleias de abril como um grande momento de solidariedade e construção de resistência, bem como experimentar novas formas de ação que permitam que mais pessoas consigam dar o salto de entrar em resistência.
• Continuar a apostar em eventos de auto-financiamento regulares, diversos, e organizados por diferentes apoiantes.
• Apostar na capacitação política e estratégica interna entre agora e o verão.
• No verão, voltar a avaliar a fundo os nossos fracassos e sucessos, repensando o nosso funcionamento e estratégia para o próximo ano de resistência que teremos pela frente.
3. Criar a coordenação que implementa a justiça climática dentro dos prazos ditados pela ciência
Entre todas as ações e repressão que enfrentamos em Portugal, está a ser desafiante manter o nosso trabalho internacional tão ativo como sabemos que precisa de ser, porque esta guerra é global e precisa de ser travada globalmente. Por diversos motivos, a próxima Earth Social Conference – a conferência internacional de boicote à COP que organizámos pela primeira vez em Dezembro, na Colombia – já não irá realizar-se no México nas datas previstas, pelo que estamos a compreender como poderemos dar continuidade à necessidade do movimento internacional confrontar as instituições que nos declararam guerra e os espaços onde esta é planeada.
Continuamos a trabalhar para o fortalecimento de um espaço de coordenação que aceite a tarefa de mudar o sistema nos prazos necessários.
Fizemos, igualmente, diversas apresentações internacionais acerca da nossa estratégia e funcionamento, começámos a redigir e publicar documentos estratégicos e organizativos para tornar o nosso funcionamento e estratégia mais replicáveis por outros grupos e continuamos a marcar presença em diferentes espaços internacionais para desafiar o movimento internacional a ser mais audaz e aprendermos com as formas de luta noutros países.
A nível nacional, conseguimos continuar a fortalecer relações com algumas organizações, embora não tanto como sabemos que é necessário. Nos próximos meses vamos:
• Tentar provocar a continuação do boicote à COP por parte do movimento internacional;
• Continuar a trabalhar no fortalecimento de um espaço de coordenação internacional para mudar o sistema;
• Continuar a desafiar quer nacional, quer internacionalmente, outras organizações a declarar emergência climática, bem como a aceitar que os governos e as empresas nos declararam guerra;
• Continuar a lançar documentos estratégicos e organizativos com vista a tornar o nosso funcionamento replicável;
• Participar em conferências e ações internacionais onde podemos continuar a aprender sobre o que está a ser feito noutros países, bem como desafiar outros grupos a serem mais audazes.
Meio ano de resistência à guerra que os governos e empresas declararam à sociedade trouxe- nos tanto grandes desafios como grandes oportunidades inesperadas. O período eleitoral confirmou o que já sabíamos, mas que nem por isso deixa de ser profundamente triste: não há um único plano institucional que não se proponha – com maior ou menor violência – a destruir tudo o que amamos.
Não consentir com esta guerra e resistir está nas mãos da sociedade, só nós poderemos travar o colapso. O mês de Abril relembra-nos que se quem estivesse vivo em Portugal ou nas ex-colónias antes de 1974 tivesse consentido com a guerra e a ditadura ou delegado a responsabilidade de conquistar a liberdade e a democracia, 50 anos após 1974 estaríamos a contar uma história muito diferente. Atualmente, milhões de vidas estão em risco e a nossa liberdade e democracia estão sob o maior ataque de sempre. Continuaremos a resistir e a fazer tudo ao nosso alcance para que a sociedade deixe de consentir com esta guerra e para que daqui a 50 anos a história contada sobre quem estava vivo em 2024, sabendo o que sabe sobre a crise climática, seja de resistência e coragem e não de complacência com a destruição de tudo o que amamos.