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Los Angeles arde, mas o mundo já está em chamas

Bianca Castro – ativista climática

Quando ativistas da Just Stop Oil atiraram sopa à proteção de um quadro de Van Gogh, muitos ficaram indignados, argumentando que a arte deveria ser preservada. Hoje, toda a coleção do museu Getty Villa, em Los Angeles, está ameaçada pelas chamas de um incêndio devastador, mas a revolta que antes transbordava parece ter desaparecido.

Quando ativistas do Climáximo bloquearam estradas em Lisboa, a indignação foi imediata, alimentada pela frustração com o trânsito parado e o impacto na rotina diária. Este ano, várias foram as vezes em que diversas estradas em Portugal foram bloqueadas, seja por incêndios devastadores ou por chuvas torrenciais, mas a mesma indignação não se fez sentir.

Têm-nos chegado imagens apocalípticas da América do Norte. O que está a acontecer em Los Angeles é devastador e é também um retrato vivo e inegável da crise climática. Todos os meses, tragédias causadas por fenómenos climáticos extremos dominam os nossos ecrãs, jornais e redes sociais. Sentimos perda, pena e, por vezes, solidariedade. Contudo, estas
emoções dissipam-se rapidamente, e o ciclo recomeça.

Este ciclo repete-se e repete-se e repete-se, porque essas tragédias são frequentemente apresentadas de forma isolada, como eventos desconectados.

O incêndio ativo em Los Angeles já consumiu uma área 150 vezes maior do que Lisboa, levando à declaração de estado de emergência. Está a acontecer lá, mas podia igualmente acontecer em Portugal: a região afetada tem um clima muito semelhante ao nosso. Os ventos fortes de Santa Ana assemelham-se aos ventos de leste em Portugal, e a vegetação que
alimenta os incêndios é parecida com a da serra do Caldeirão, no Algarve.

Estes incêndios são mais uma prova de que estamos a viver numa era de desastres climáticos. Nunca antes houve condições para uma tempestade de incêndio em janeiro em Los Angeles, até agora. A razão é simples: os gases de efeito estufa, resultantes da contínua e crescente exploração de combustíveis fósseis, estão a alimentar a crise climática e a tornar os grandes incêndios cada vez mais comuns na Califórnia e no resto do mundo.

A explicação mais complexa é que estes incêndios são um exemplo especialmente agudo de algo sobre o qual os cientistas climáticos têm alertado há décadas: desastres climáticos compostos que, quando ocorrem simultaneamente, causam danos muito mais graves do que causariam individualmente. À medida que a crise climática avança, os sistemas atmosféricos,
oceânicos e ecológicos interdependentes que limitam a civilização humana irão gerar mudanças acumulativas e transformadoras, difíceis de prever com antecedência.

O sul da Califórnia enfrentou o verão mais quente da sua história, e o início deste ano registou o período mais seco de sempre. A falta de chuva, temperaturas acima do normal e vegetação seca criaram o cenário ideal para incêndios devastadores. As ervas deixadas pela tempestade tropical de 2023 continuam a alimentar os incêndios, e a tempestade de ventos desta semana agravou ainda mais a situação, que já obrigou mais de 150.000 pessoas a abandonar as suas casas. Mesmo no pico da temporada de incêndios de verão, estas condições seriam difíceis de controlar – em janeiro, com menos bombeiros disponíveis e equipamento guardado, tornaram-se catastróficas. É assim que os pontos de viragem acontecem, e este é o cenário que se desenrola em todo o mundo, não se limitando apenas aos incêndios.

Conectemos então os pontos: cada cheia, cada incêndio, cada furacão, cada seca e cada onda de calor a que assistimos (ou que experienciamos) não são episódios isolados, mas facetas interligadas de uma crise climática que se revela de forma cada vez mais clara, intensa e frequente. Cada um destes eventos é um lembrete de que a crise climática não é uma
ameaça distante, mas uma sucessão presente de catástrofes cada vez mais devastadoras.

Há décadas, os governos recebem avisos da comunidade científica, reconhecendo por vezes o problema, mas com leis fracas que fingem abordar o tema, enquanto continuam a subsidiar as indústrias fósseis e emissores de carbono, viabilizando projetos que aumentam as emissões. O Acordo de Paris foi assinado há quase 10 anos com o objetivo de limitar o aumento da temperatura média global a 1.5oC. Sabemos hoje que esse limite foi oficialmente ultrapassado em 2024. Vários recordes têm sido quebrados consecutivamente: recordes de temperaturas, recordes de emissões de carbono e, trágico-comicamente, recordes de lucros das petrolíferas.

Estas contradições refletem as nossas estruturas socioeconómicas. Os “líderes” mundiais assistem impassíveis ao mundo a arder, enquanto os executivos das empresas de combustíveis fósseis dançam nas chamas. Contudo, torna-se cada vez mais insustentável viver no conto fictício do lucro infinito, pois a riqueza material não nos protege de desastres climáticos. O sistema socioeconómico discrimina, mas as chamas não.

Podemos continuar a fingir que tudo isto é mera coincidência, ou podemos enfrentar a verdade de frente: estes eventos não são desastres naturais – são crises provocadas, impulsionadas por decisões políticas, pela ganância da indústria dos combustíveis fósseis e pelos governos e sistemas que os sustentam. Não é possível negociar com as leis da física, impor tarifas à subida do nível do mar, bombardear um furacão ou usar soluções de mercado para travar incêndios florestais. A crise climática não é uma tragédia – é um crime.

A cidade de Los Angeles declarou estado de emergência, mas a verdadeira urgência climática não se limita a um local ou a um momento no tempo. Esta é uma guerra declarada por governos e empresas contra a sociedade e o planeta. Já todos devíamos ter declarado o estado de emergência climática e começado a agir. Agir aqui e agora, com coragem, determinação e solidariedade, é a única forma de travar o colapso iminente que estão a perpetuar.

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