Bianca Casto, actriz e activista pela Justiça Climática
Artigo de opinião no Público, 13 de Setembro 2024
Chamar ao estado distópico a que chegamos de “novo normal” seria esperar que fique como está; e sabemos que não é o caso, estamos apenas na ponta do icebergue.
Recorde quebrado, mês após mês. Durante 13 meses, batemos recordes mensais de temperatura, como um CD riscado que a cada passagem fica ainda mais alto e distorcido. Segundo o Copernicus, serviço que monitoriza as alterações climáticas da União Europeia, o Verão deste ano foi o mais quente alguma vez registado: “Estes últimos três meses, o planeta viveu os meses de Junho e Agosto mais quentes, o dia mais quente e o Verão mais quente do hemisfério Norte”.
O mesmo serviço alerta-nos ainda que “a crise climática está a apertar o cerco”, e que tudo aponta para que este seja o ano mais quente de sempre desde que há registos.
Se esta notícia te soa familiar, é porque é mesmo: 2023 também foi o ano mais quente desde que há registo. Aliás, a Organização Meteorológica Mundial confirmou que os últimos oito anos foram os mais quentes de sempre.
E onde está o Acordo de Paris, que visa limitar o aumento da temperatura média mundial a 1,5°C? Bem, há um ano que a temperatura média à superfície do planeta ultrapassa esta barreira todos os meses. No que toca à Europa, somos o continente que está a aquecer mais depressa, com o dobro da velocidade da média global.
Dia após dia, somos atingidos — quer seja por notícias e estudos ou pelos próprios fenómenos meteorológicos extremos — com confirmações e exemplos da distopia em que estamos a viver. Há poucas semanas, um estudo publicado na revista científica Nature Medicine confirmou-nos que as altas temperaturas, agravadas pelos combustíveis fósseis, mataram cerca de 50 mil pessoas na Europa em 2023. “Assassino silencioso” é o termo dado ao calor por médicos porque causa muito mais mortes do que imaginamos. Estima-se que o número absoluto de mortes relacionadas com o calor continuará a ser maior no sul da Europa — uma vez que estamos mais expostos a temperaturas escaldantes.
O director do Copernicus, Carlo Buontempo, deixa claro aquilo que já sabíamos: o principal factor para os recordes que vivemos são as alterações climáticas provocadas pela queima de carvão, petróleo e gás natural. E no entanto, de acordo com uma equipa internacional de cientistas, as emissões de CO2 provenientes de combustíveis fósseis aumentaram ainda mais em 2023, atingindo níveis recorde. A análise deste aumento contínuo faz parte de uma avaliação anual do ciclo do carbono na Terra, da organização Global Carbon Project.
Segundo Ben Poulter, cientista da NASA, “as emissões estão a seguir na direcção errada para conseguirmos limitar o aquecimento global”.
Caminhamos, assim, para um mundo distópico e de caos climático. Mas os lucros das empresas fósseis continuam a aumentar, a indústria continua a expandir, os governos continuam a financiá-la, e… Ainda há dúvidas sobre a necessidade de pôr fim à era fóssil? Citando Buontempo: “Não é de surpreender que vejamos isto, esta onda de calor, que vejamos estes extremos de temperatura”, na verdade, “estamos fadados a ver mais”.
Por outras palavras, o caos climático não vai ficar por aqui. Chamar ao estado distópico a que chegamos de “novo normal” seria esperar que fique como está; e sabemos que não é o caso, estamos apenas na ponta do icebergue.
Este não foi o Verão mais quente da tua vida. Foi o Verão mais fresco do resto dela. E agora, juntas-te à resistência climática?