Artigo de opinião de Matias Souza
Quem matou as sete pessoas que já morreram nos incêndios desta semana, incluindo os bombeiros que tentavam apagar as chamas? Quem destruiu dezenas de casas, deixando famílias inteiras sem sítio para onde ir? Quem queimou milhares de hectares pelo país? Estes incêndios catastróficos têm culpados. As mortes trágicas, a destruição das casas e dos terrenos, a devastação da floresta e o ar irrespirável têm culpados. E os culpados têm de ser responsabilizados.
Então, quem matou? Os governos e as empresas, que há décadas que sabiam da crise climática e dos cenários apocalípticos que produziria, e mesmo assim continuaram a queimar combustíveis fósseis e a aquecer o planeta – e, de tão sufocante que ficou, pelo menos 50 mil pessoas morreram na Europa de calor só este Verão. As empresas petrolíferas sabem da crise climática há pelo menos 50 anos e, mesmo assim, continuaram a queimar o gás, petróleo, e carvão que nos está a matar – literalmente – agora mesmo. Os governos reúnem-se há 29 anos para decidir o que fazer sobre a crise climática. A decisão? Continuar a viciar toda a economia em combustíveis fósseis e sacrificar a vida de milhares de pessoas inocentes em para que as empresas continuem a encher os bolsos à custa das condições de vida para a civilização como a conhecemos. O cientista climático da NASA James Hansen avisou em 1988 que “os comboios que transportam carvão são comboios da morte, e as centrais a carvão são fábricas de morte”.
Em Portugal, a culpa de empresas da indústria de celulose como a Navigator é inequívoca. Em primeiro lugar, é a empresa que mais emite gases com efeito de estufa em Portugal, dona de mega complexos industriais em zonas como Setúbal e Aveiro. É também a grande arquitecta da plantação massiva de eucaliptos nas zonas rurais em particular no Norte e Centro do país – que, não por coincidência, são as que estão neste momento literalmente em chamas. Portugal é o país do mundo com maior área relativa de eucaliptos, suplantando até a Austrália. E, também não por coincidência, Portugal é, apesar da sua pequena área, o país que mais arde na Europa, ardendo pelo menos 7 vezes mais do que Espanha. De acordo com um relatório da European Forest Fire Information System (2023), entre 2015 e 2022 arderam média 130 mil hectares por ano. Isto é o equivalente a mais de 182 mil campos de futebol por ano. A Navigator e restantes empresas de celulose mandam no ordenamento do território português mas até agora, mesmo com o país atravessando tragédias dolorosas como Pedrógão Grande ou as mortes destes massivos incêndios florestais, nunca foram responsabilizadas. Eles conspiram contra as pessoas, e saem impunes.
Abrir as notícias é, acima de tudo, uma prova da alienação e de negacionismo climático que se recusa a apontar os verdadeiros culpados destas repetidas tragédias. O primeiro-ministro diz que “ainda é cedo” para apurar culpados, e que devemos focar-nos no apagar dos fogos. Os comentadores, com toda a sua calma, mencionam o calor “anormal para esta época do ano” (como se fosse uma casualidade, e não o resultado de décadas de queima de combustíveis fósseis por parte de empresas e governos), o “vento forte”, a falta de preparação dos meios no terreno, ou, alguns até, o “fogo posto”. E, entretanto, por entre toda a calma do mundo, morrem pessoas. E, entretanto, continuam de pé mais projetos de aumento de emissões como um novo aeroporto de Lisboa, um novo gasoduto, novas autoestradas e nenhum plano para reduzir emissões e valorizar o território rural através da floresta autóctone. Honrar as vítimas dos incêndios é dizê-lo com todas as palavras: eles, os governos e as empresas, declararam-nos guerra. Não podemos mais fingir que a crise climática é uma espécie de efeito colateral. Não podemos mais fingir que eles, os governos e as empresas, estão a fazer tudo o que podem para travar o colapso climático – não estão, nem nunca o farão, mesmo se pintarem os seus logótipos de verde e fizerem anúncios comoventes sobre a responsabilidade individual de cada um de nós. Nós temos de aceitar a situação como ela é – eles sabem há décadas que o que estão a fazer está a matar-nos, mas decidem continuar. Eles emitem gases com efeito de estufa, queimam combustíveis fósseis e estão tornar o planeta inteiro numa câmara de gás. É uma guerra declarada unilateralmente.
Há poucos dias, comecei a ser julgado por participar num protesto político de democracia direta, utilizando a ferramenta da disrupção pública para alertar toda a sociedade de que precisamos de parar de aceitar e consentir com a crise climática e a destruição provocada por governos e empresas. Ao sair, vi a notícia do bombeiro que tinha falecido enquanto tirava uma pausa do combate às chamas. Em estado de choque, refleti: todos temos a responsabilidade de parar de consentir com os ataques deste sistema às pessoas e ao planeta. Eu bloqueei uma estrada para parar a normalidade, porque este não pode ser o novo normal. A crise climática está – e não “vai”, temos de parar de falar como se fosse no futuro – a causar a maior disrupção da História da Humanidade. Disrupção e destruição tão grande que, se não travarmos os culpados desta crise e os deixarmos seguirem com os seus planos de expansão de morte, até os próprios cientistas têm dificuldade em imaginar a vida no planeta.
Esta guerra pode ser parada. Mas só nós, as pessoas normais – que estão a combater os fogos, a proteger as suas casas, que vêm as notícias e têm um aperto no coração – o podemos fazer. Eles, os governos e as empresas, preferem atirar-nos para o colapso do que alguma vez mudar. Este é um momento histórico. E todas as pessoas têm uma decisão a tomar: vão consentir com este sistema, ou vão resistir?
É preciso dizê-lo com todas as letras:
Enquanto 4500 bombeiros, mais de 1000 meios terrestres e 20 meios aéreos combatiam uma vaga de incêndios que fustiga o interior do país, eu e mais duas pessoas estávamos em tribunal a ser julgadas por alertar a sociedade de que as causas de incêndios desta magnitude têm responsáveis e eles vão continuar a deitar gasolina para o fogo até a sociedade os parar.
Esta segunda-feira portugal acordou com um cenário devastador em Aveiro. Várias casas de primeira habitação destruídas pelas chamas. 17 pessoas feridas, 1 bombeiro faleceu e várias autoestradas estiveram cortadas. Portugal teve de pedir ajuda à união europeia para combater as chamas. Se parece um cenário de guerra. É porque é.
Estão a tornar-se cada vez mais frequente reunirem-se as condições para incêndios que atingem porporções infernais como a que vemos esta semana em aveiro: a seca, o calor e a monocultura de eucalipto. O aquecimento global induzido pela queima de combústiveis fósseis continua potenciar o aparecimento da seca e a tornar ondas de calor cada vez mais frequentes e quentes. O interior de portugal permanece dominado pelo eucaliptal intensivo, uma árvore extremamente inflamável, a mando da indústria da celulose. A indústria da celulose e a indústria fóssil, agindo sempre com o aval e subsído do governo português, são responsáveis pelo cenário que testemunhámos em aveiro e são quem está por detrás daquele cenário de guerra.
Em Outubro de 2023 eu e mais duas pessoas sentamos-nos numa estrada em protesto porque não podíamos continuar a permitir que a sociedade continuasse a ignorar os ataques da indústria fóssil, das celuloses e do nosso governo contra a vida. Os incêndios que testemunhámos esta semana não são catástrofes “naturais” são mais um destes ataques.
O nosso estado sabia das consequências da queima de combustíveis fósseis e escolheu deter quem lutava para alertar a sociedade. Ao mesmo tempo este planeia construir um novo aeroporto, novo gasoduto, mais investimento na rede de gás fóssil. Uma expansão da capacidade de destruir via crise climática. O nosso governo escolhe continuar a deitar gasolina para o fogo. A sociedade não pode ficar indiferente. De que lado estás?
No domingo, 22 de Setembro, está convocada vuma manifestação nacional “O País Arde, Temos de Acordar” às 17h convocada pela rede “Emergência Florestal”.